terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Hora e meia antes

Podia ser na linha da Póvoa, no comboio, ou na camioneta para a pequena cidade. O avô estava sempre nas estações ou paragens hora e meia antes. E esperava, esperava... e nunca perdia o transporte. O neto ia com ele. E esperava, esperava.... e também nunca perdia o transporte. Aprendeu com o avô.

Uns anos mais tarde, quando o avô já não é avô e o neto podia ser avô, o mundo mudou. Já não há tempo para estar à espera hora e meia antes, mas a ansiedade instalou-se no interior de si. O medo de perder o comboio ou a camioneta tomou o lugar da espera calma. Os telemóveis tocam, há mil e uma coisas para fazer e a cabeça começa a rodar em espiral até que o rabo esteja bem dentro da cápsula de transporte. Ufa! Paz! Segurança!

Bom, a ansiedade não justifica partir no carro e deixar o bebé no tejadilho. E o pai que agora chora o bebé, gostava e gosta muito dele. Aprender a controlar a ansiedade pode durar a escola da vida e o bebé infelizmente não pôde esperar o tempo suficiente. Paciência. O pai vai ter de aprender a chorar esse erro fatal, esse revelador "claríssimo" de que foi um mau pai, de que não amava suficientemente o filho, de tal forma que se esqueceu dele no cimo da viatura, ou que o deixou ficar sozinho em casa, como no bem-conhecido filme. Haverá eventualmente outros filhos para esquecer...ou não. Ou não haverá mais esquecimentos, ou ansiedades...ou não.

No coração do pai instalou-se uma surda revolta, contra si e contra o mundo, um sentimento de injustiça porque amava de facto o filho e ainda hoje, não podendo mais falar com ele, assalta-lhe a dúvida de saber como é que o amor é compatível com esse esquecimento fatal. E uma sombra de morte alaga a sua alma.