terça-feira, 4 de novembro de 2008

Comunicação excomungada




Feijão ligou a música no seu ipod. Caminhou em passo rápido, como só os feijões não caminham, sob o ritmo sincopado e raptado de Paul Simon. E andou até as pernas doerem, mas elas só doeram no dia seguinte. Mas pensou: os feijões não têm pernas! Mas elas doíam e por isso, no dia seguinte voltou a fazer o mesmo. E as pernas deixaram de doer. O corpo ganhou um cansaço feliz, mas pensou que os feijões não têm corpo. Descansou no cafezinho das tias.
Olhou para os seus 2 últimos posts e pensou que se estava a desvincular da Vida, concentrado numa infância para sempre perdida, mas não desejada, não desejada de volta. A mamã a meio metro à minha esquerda já está morta. A Teté, a dormir e a sofrer depois da diálise está morta. O papá, esse que estava no mesmo lugar onde está agora a mamã, escapuliu-se há muito para dentro dos meus neurónios. É agora uma estrutura de impulsos eléctricos, espartilhada nos vários compartimentos do meu cérebro, como se eu Feijão, tivesse cérebro. Tudo morto, tudo morto. Pergunto a mim próprio se os vivos, digo, os verdadeiramente vivos, não estão já mortos, enrolados no casulo duma vida para sempre perdida.
Mas não. O Feijão não é, nem fez apenas aquilo que as doces fotos fazem crer. O Feijão sofre. O Feijão ama. O Feijão faz asneiras. Procura saídas. O Feijão lê. O Feijão fala. O Feijão vive. O Feijão tenta trabalhar. O Feijão conhece novos universos. O Feijão esforça-se por chegar a algum lado.
Não quer morrer para ser feliz. Quer os momentos felizes, os momentos hiper-felizes, micro-segundos duma felicidade inaudita.

Sem comentários: